quinta-feira, 7 de outubro de 2010

A escala e os príncipios nas virtudes humanas

A escala e os princípios nas virtudes humanas.

Durante muitos anos da minha vida, por razões só a mim imputáveis, tive enormes dificuldades em entender, até porque aceitava a tese como válida, a ideia de Felicidade em Kant, dado que me parecia, e parece, que a obtenção da Felicidade por alguém estar associada às virtudes desse “alguém”. Bem, conhecemos todos aquela máxima popular de que só os tolos podem ser felizes, daí a que sejam tantos aqueles que se fazem tolos para disso tirar proveito próprio vai um passo. Mas adiante! Por isso, bem entendido, sempre considerei que para o filósofo rigorista, ser feliz era igual a ser virtuoso, e isso deixava-me triste, visto que eu sempre cultivei o desejo de ser feliz, só que as minhas virtudes, de escassas, nem mesmo eu era capaz de as ver, de as apalpar, de as sentir. Por isso……
Como, intelectualmente falando, sou um produto caseiro, solitário, tentei por todos os meios ao meu alcance encontrar uma explicação para este meu dilema, pois durante algumas ocasiões cheguei a pensar que se tratasse, essa aparente impossibilidade, de uma questão de escala, quando vim a descobrir, com muito esforço e até algum sofrimento, que tudo se devia a uma questão de princípios. Tive que reler Sócrates, ou o que sobre ele foi escrito, e não é pouco, garanto-vos; reler Espinosa, Rousseau, Feurbach, Marx, cujo saber formam a base do que eu quero saber sobre a Felicidade dos Homens, mas vários outros, até Kierkegaard. Para mim é um prazer colocar-me, voluntária e afincadamente diante deste tipo de desafios, a minha esposa é que gostava mais que eu me dedicasse a outras tarefas mais de ordem prática, mas vamos remediando as coisas!
Depois dessa luta, e diz um verso de uma das mais belas cantigas do cancioneiro tradicional português, dos Açores, “ coitado quem não peleja, rema que rema, passa a vida a navegar”, acho que descobri o que se me aparentava tão difícil, mas que afinal era tão intuitivo, tão simples! Diante das contradições da vida em sociedade, quer dizer, por sobre a realidade concreta que vive o Homem, cada um constrói, influenciado pela educação familiar, do meio que o cerca, pelo tipo de amigos e relacionamentos de todo o tipo que vai tendo, das circunstâncias, para lembrar Ortega y Gasset, cada um de nós forma a sua consciência ética, sem deixar de “herdar” uma moral. Muitas vezes, e o recurso a Sócrates dá-nos disso exemplo, a nossa ética colide com a moral dominante, que é também a nossa, pois, nessa matéria também somos fruto de um sistema determinado de valores que não escolhemos, e somos levados a fazer uma escolha. É então que aquilo que para alguns é um problema de escala, para outros é uma questão de princípios. Que fazer, então?
Aquilo que me chegou a parecer uma decisão de carácter transcendente, no limite da minha capacidade de aceitação, que envolvia “seres” distantes e omnipresentes, é, depois de uma análise ponderada, afinal, uma questão de respeito pelos princípios estruturantes da consciência ética de cada qual. Um simples exemplo: diante desta sociedade desigual, formada por velhacos de toda a espécie, com milhões de Seres Humanos a morrer de fome, enquanto outros desperdiçam em dobro o que seria mais do que o suficiente para todos se alimentarem e viverem bem, quem quiser ser feliz só pode fazer duas coisas: lutar de acordo com os seus princípios na denúncia do que está mal a seus olhos, tentando demonstrar, pelo exemplo, que é possível e desejável que se deixe de dar prioridade nas nossas escolhas à contemplação deste mundo de horrores e se tente transformá-lo em algo melhor para TODOS; que nas suas PRÁTICAS, cada um procure a decência ética como primado da sua acção, quero dizer, em cada escolha ou contradição, em cada aparente impossibilidade, opte SEMPRE pela opção mais decente que lhe seja possível, para poder viver de acordo com os seus princípios, e essa é uma forma de virtude humana. Creio ser essa a exigência de Kant, segundo o seu imperativo categórico, na versão mais apropriada ao que quero transmitir : ”Faz somente aquilo que possa ser universalizado (para todos). Considera o outro como pessoa porque ele é um fim em si mesmo e não um meio de que te possas servir”. É claro que quem assim procede é porque tem vontade própria, e tem o profundo desejo de respeitar um preceito fundamental da Natureza: o Homem é este e aquele, na sua individualidade, porque de uma única espécie, a Espécie Humana. Não tem nada que saber, está na linha da razão prática!
José Luís Moreira dos Santos
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