segunda-feira, 29 de março de 2010

A pobreza

A pobreza, essa filha da inconsciência, da indiferença, da exclusão e do preconceito; irmã gémea da miséria, companheira da revolta, nem sempre humanamente compreensível e socialmente aceitável.


A pobreza, que todos conhecemos desde de que nos conhecemos como gente, tem uma enormi- dade de causas e de consequências, e nunca foi entendida pelos poderes públicos, nem pelas sociedades no seu conjunto, como um problema que ultrapassa o aparente simples raciocínio de que sempre houve e sempre haverá pobreza no mundo, pois até na Bíblia a pobreza é mostrada como um passaporte para o Reino dos Céus. Contudo, eu penso que enquanto as sociedades não resolverem a questão da pobreza, que no nosso país atinge cerca de 1/5 da população, nunca poderemos aspirar a ser uma sociedade que mereça o nosso próprio respeito, a nossa adesão a uma sã convivência social, o sentimento de irmandade pregado muitas vezes a despropósito em situações de tragédia, de calamidade ou de acidentes naturais e outros, porque, se formos minimamente conscientes, para tanto nos faltará a auto-estima necessária para levarmos a sério os apelos moralistas e falsos que têm lugar nessas ocasiões. E digo discursos moralistas e falsos porque vindos, quase sempre, de quem ocupa os lugares onde se concentram os meios financeiros, políticos, legais, técnicos, etc, para enfrentar o problema, e que do muito que poderia e deveria ter sido feito, resta o blá, blá, blá que tanto me aborrece ouvir em todas as ocasiões e muito mais em situações de sofrimento humano.
Sabemos todos que as sociedades que construímos têm por finalidade fazer as pessoas felizes, e que para tanto todos têm o dever de contribuir com a sua quota- parte, de acordo com as suas capacidades
avaliadas de forma integral. E é por causa de uma interpretação apressada deste conceito genérica e geralmente aceite, que nasceu um preconceito arrasador que domina todas as discussões em torno deste tão grave problema mais que de dimensão social para ser um problema que compromete toda a humanidade. É claro que se faço esta afirmação, me caberá demonstrar as suas bases de sustentação e a sua razoabilidade.
Comecemos por falar em primeiro lugar das causas da pobreza. Todos sabemos que a pobreza tem causas longínquas, já estudadas e conhecidas, que não cabe aqui explorar, pois este simples raciocínio não tem a pretensão de ser mais do que isso; até porque fazer uma abordagem mais profunda do tema daria um âmbito diferenciado àquilo que eu pretendo que seja uma tomada de posição pessoal, que só a mim responsabiliza, mas que quero partilhar com os leitores deste jornal. Por isso, fiquemo-nos pelas causas da pobreza relativas ao mundo que recebemos das gerações anteriores mas relativamente próximas do nosso tempo.
A maior parte das vezes, para não dizer quase sempre, aquele que hoje é pobre já nasceu pobre, é pobre desde do berço, sempre se conheceu pobre e quase sempre se viu e aceitou na sua condição de pobre. Ademais, faz parte dos valores culturais e sociais em que cresceu e foi educado olhar a pobreza como uma escolha de entidades que estão longe, e não estão em condições de serem contactadas por meios puramente humanos e racionais. Mais, segundo esse preceito, a pobreza é boa, representa uma vantagem de ordem espiritual. Portanto, saber viver a condição de pobreza representa um louvor e um esforço que será compensado na altura e pelas entidades devidas. Pobre mas honesto, eis a máxima dos valores universais da pobreza, como que a dar a entender que os ricos até podem ser desonestos, que para o efeito, de se ser pobre, pouco importa, pois o dia virá! Mas nascendo pobre, ao pobre não cabe a tarefa de perpetuação da sua pobreza ou tudo fazer para acabar com ela, a pobreza, e estamos a falar de pobreza material, social, não de outras dimensões da pobreza, esclareça-se. Assim, se as condições em que é criada uma criança pobre determina a sua futura relação com a pobreza, isso é assunto que a ultrapassa, à criança, e que se transforma num libelo acusatória contra a sociedade em que nasceu, e cujos membros por mero egoísmo ou desumanidade se remetem ao silêncio e à comodidade de viver a sua vida sem remorsos nem compromissos de qualquer ordem.
É por isso, que quando chegada a idade de frequentar a escola, e falo do momento presente, não do tempo em que tive idade para o fazer, as crianças pobres, como todas as outras, vão ser sujeitas a uma forma de comportamento, a uma disciplina de aprendizagem, a um relacionamento hierárquico com a aqueles que lhes vão transmitir conhecimentos, os que vão zelar pela normalidade funcional das escolas, com os seus iguais, as outras crianças, que às vezes lhes parecem seres de outro mundo em face da realidade concreta de cada um, etc.; portanto, estas crianças, as pobres, têm comportamentos muito próprios, especiais, incompreensíveis aos olhos daqueles que tiveram um percurso de vida considerado normal, quer dizer, com acesso a coisas que os meninos pobres de todo desconhecem, bem como quanto à forma de se comportar como à forma de lidar com coisas e situações que lhes são completamente estranhas. Parecem uns animaizinhos, dizem alguns puritanos intervenientes no processo de formação das crianças e jovens, sem cuidar da responsabilidade que cabe a cada qual, sem compreender que a uns cabe a tarefa de incluir, pois para tanto recebeu formação adequada, e outros têm o direito humano de receber.
Atribuir aos pais das crianças pobres a responsabilidade pelo seu comportamento pouco sociável, pela indisciplina de que podem ser portadores, etc, é a conclusão mais simples, mais cómoda, mais barata, mais geralmente aceite, mas com origem num simples e desacreditado preconceito, porque instigador da aceitação da perpetuação da situação. Será que aquelas ou aqueles que têm a obrigação profissional de formar, e aqui também cabe a tarefa de educar nos casos que se justificar, não foram elas/eles mesmos formados para compreenderem as diferenças sociais, culturais, económicas e outras que marcam a proveniência dos seus formandos? Se assim for estamos diante de uma pobreza bem maior do que a pobreza por falta de bens materiais, mas isso é outro assunto. É que nos dias de hoje está cientificamente comprovado que qualquer criança é um projecto de homem/mulher, e que a formação do seu quadro mental, as noções diversas de cidadania, como já no princípio do século dizia José Ortega e Gasset, filósofo espanhol, que para além da sua herança genética, que independentemente da condição social pode ser melhor ou pior, as circunstâncias têm uma grande importância na formação do carácter de cada um.
Isto para dizer que se os pais foram vítimas e se não tiveram forças, condições, oportunidades, ajudas, etc, para eles mesmos saírem da condição de pobres, e tal condição comporta uma imensidão de limitações, por que fenómeno seriam capazes de educar os seus filhos senão segundo os únicos valores e comportamentos que conhecem? Bem sei que todos os fenómenos têm excepções, mas isso só confirma a existência de uma regra que lhe está subjacente.
Filhos de boas famílias, de boa gente, ouve dizer-se quando aqueles que saíram de outras condições se comportam de forma considerada desviante, mas para os filhos daqueles que nasceram desviados do acesso ao mínimo dos mínimos para a condição de humanos, diz-se que têm falta de educação, que foram assim educados, e eu pergunto: podem ser educados de outra forma? O que diz um pai de hoje a um filho que a todo o custo quer que lhe comprem umas calças da marca tal, independentemente de precisar ou não delas? Pois é Claro, compra. E o que diz um pai pobre a um filho que lhe pede um iogurte? Neste caso, uma das respostas possíveis é a de que não tem dinheiro. Como se percebe, respostas simples para cada um dos exemplos e com consequências igualmente simples: no primeiro exemplo o desejo é realizado, no segundo exemplo não; e isso tem alguma importância na formação do carácter de cada um dos jovens em causa? Eis a minha tendência para o mau feitio e para a demagogia: que pergunta! Continua.

Pardilhó, 5 de Novembro de 2009
José Luís Moreira dos Santos








Pobreza, continuação.



Dando continuidade ao artigo anterior sobre o mesmo tema, importa referir que quanto às causas da pobreza, em nossos dias, ela é da ordem da indiferença, pois que a causa de se nascer pobre é quase identitária da condição da pobreza futura, e o período de formação do carácter de uma criança e jovem pobre é determinante para que possa criar as condições mínimas exigidas para poder fugir da pobreza na maioridade. Isto pressupõe uma condição que no momento actual, por mera frivolidade, dificilmente se verificará: a possibilidade de igualdade de condições e de tratamento no aceso aos meios e aos materiais de aprendizagem, mas essa exigência fica à porta de entrada da escola já no período da pré. Alguns acham, e esses estudiosos, que nos falam das escolas boas e más em razão das estatísticas de aproveitamento são disso a prova, que nos dizem que nas escolas privadas, mesmo assim com excepções, estão os melhores resultados, o que não quer dizer melhores alunos, diga-se, estão apenas a mostar por números o que todos nós somos capazes de adivinhar: a homogeneidade do quadro de alunos é maior nessas escolas, dada a origem social dos alunos, que numa escola onde o acesso é garantido de forma universal e não por capacidade financeira dos pais dos alunos, mas, enfim.
É certo que os alunos mais pobres, mesmo aqueles que têm a sorte de ter sobre si e o seu crescimento a atenção de pais pobres, sem instrução, mas determinados a tudo fazerem para que os filhos possam sair do ambiente de exclusão e da pobreza que sempre conheceram, vão ser confrontados com coisas, gestos, comportamentos, etc, que não fazem parte do seu mundo, pelo que se não foram logo de inicio ajudados na compreensão destes pormenores, a que as crianças sempre estão atentas, podem, e muitas vezes de forma definitiva, levar algumas das crianças e jovens a enveredar pelo isolamento, que os levará a ver na escola um lugar onde são humilhados na sua pobreza, de que não se podem sentir culpados, mas de que podem ter a tendência para responsabilizar os pais, á falta de melhor explicação. A escola é para todas as crianças e jovens o alfa e o beta do seu futuro, mas é para as crianças que tiveram a má sorte de nascerem pobres, também o ómega para as suas vidas. Por tais razões, tenho tendência a eleger a escola como o lugar de ponto de viragem para solucionar esse cancro social da pobreza pela via das crianças e jovens, pois o analfabetismo é um dos mais sérios e indomáveis veículos e expressão visível da condição de pobre. O que tem sido realizado desde a Revolução de Abril ao nível das infra-estruturas e equipamento, e quanto às condições de acesso e permanência na escola, há-de dar resultados, se as condições de acompanhamento melhorarem e forem adequadas a cada situação concreta, sem “padronismos bacocos” ou visões retrógradas. Qual é o mal de haver turmas com 4 ou 5 alunos e com condições de aprendizagem complicadas? A escolha é entre ir por aí ou daqui por 10 ou 15 anos termos nas escolas os filhos dos actuais alunos nas mesmas condições dos pais, como a vida já demonstrou.
Mas a escola, infelizmente, nem sempre é o lugar de integração, de inclusão social que preconizo, sendo muitas vezes o pior dos exemplos de exclusão. E por muitos motivos, sendo que o principal é o da não preparação de muitos dos seus elementos, sobretudo ao nível dos formadores, que não são capazes de fazerem das salas de aulas o espaço onde as crianças pobres se sintam apenas crianças e jovens, mas portadores de alguma peste, visto que são muitas vezes os formadores que descriminam as crianças e jovens por razões de dificuldades na aprendizagem, por razões de higiene, de linguagem, etc. É claro que a escola não está formatada para responder a situações de certo tipo, como a indisciplina, por exemplo, e que muitos dos formadores acham que a única tarefa para que foram contratados foi para transmitir conhecimentos a quem nisso estiver interessado, independentemente de quaisquer outros critérios ou condicionalismos, mas se assim fosse, se os princípios orientadores da profissão fosse apenas isso, então teria que haver outras profissões a desempenhar tarefas na escola, que não ligadas ao ensino/aprendizagem, mas, quem sabe, à segurança, por exemplo, mas, nesse caso, seria despropositado falar da escola como lugar de formação, mas como um ponto de encontro de crianças e jovens onde uns vão aprender algumas coisas sobre uma série de assuntos, e outros iam fazer não se sabe bem o quê. Se calhar, para sermos honestos, é isso mesmo que está a acontecer? Talvez, mas tem de mudar, e pela afirmação profissional dos professores, que não podem aceitar, muito menos justificar, que na escola a sua tarefa se limite a chegar à sala de aulas, tirar da pasta uns livros, debitar a matéria e quem quiser que se amole, o resto….
.Não, não vou entrar naquele discurso repetido, demagógico e paternalista de que as crianças e os jovens são o futuro ( eu é que não sou), mas que com seres humanos em formação não se pode brincar. Por isso, é preciso dizer alto e bom som que uma criança, pobre ou rica, quando nasce só tem direitos, TODOS, e só depois de receberem a sua parte dos direitos que têm: alimentação, educação, carinho, formação, etc que são absolutamente indispensáveis à sua preparação para as escolhas que têm pela frente, é que passam a ter deveres e direitos correspondentes ao seu estatuto de adultos, para quando forem velhinhos passarem novamente à fase unicamente dos direitos. Por isso, segundo este meu raciocínio, num país onde há crianças e jovens pobres é um país onde alguém lhes ROUBOU os seus direitos originários, porque só depois de usufruir dos seus direitos de criança, regulamentados e tudo, lhe pode ser pedido em troca, exigido, e durante o seu período de vida activa, o cumprimento dos seus deveres, pois se recebeu ficou em divida, se não recebeu ficou credor, se paga o que recebeu saldou a dívida, se paga mais do que recebeu fica credor. Tudo simples. E se não recebeu nada quando criança ou jovem, e fica pobre e sem recursos de defesa para enfrentar a vida activa, não ficará credor para sempre?
Mas, para além desta pobreza a que se convencionou chamar de endémica, estrutural, permanente, crónica, eu sei lá, há uma outra pobreza, uma indignação humana igual, mas com outra origem. Não é, no essencial, pobreza de berço, é de insuficiente remuneração do seu esforço, é da ordem da exploração, da desvalorização do esforço humano, da desmiolada e cínica desvalorização do trabalho ou das profissões, para ser mais exacto. Refiro-me, como se percebe, aqueles que trabalham, cumprem horários, independentemente dos berços conseguiram aprender algumas coisas que os prepararam para o mundo da produção de riqueza, que aprenderam uma profissão, que participam no esforço da produção de riqueza para o País e que não vêm resultado outro do seu esforço que não seja a pobreza. Porém, eles sabem que a riqueza que ajudaram a produzir é muito dividida: por especuladores, exploradores, agiotas, ladrões, vigaristas, etc, mas não por eles, os produtores. Por quê? Porque na ordem inteligente, que não inteligível, das coisas, ordem essa estabelecida por uns quantos cérebros - muitos deles de origem social modesta, da classe baixa, é bom que se diga -, o individuo que faz uma casa não precisa de mais do que comer alguma coisa para ter forças para continuar a construir outras casas, enquanto que os que as mandam construir e as habitam têm, nas actividades a que se dedicam, de ganhar o suficiente para puderem viver confortavelmente dentro dessas casas. Que mal há nisso? Nenhum, claro, isto sou eu a “demagojar”, como é o meu forte. Então quem………, não tem que ser pago de acordo com…..?, É muito certo. E quem trabalha, seja em que profissão for não…? Pois não, tem que ser pobre, quero dizer, não ter acesso àquilo que é indispensável a uma vida decente para si e para a sua família! Ou para viver modestamente, como a esmagadora maioria daqueles que dominam os aspectos essenciais de uma profissão e têm um emprego em empresas que respeitam os seus direitos. Mas há o outro lado!
Bem sei que há muita gente que pensa que foi Deus que criou o mundo como ele é para……, e eu respeito muito quem assim pensa, mas eu não penso da mesma maneira e, além do mais, não acredito também que um deus tão injusto e tão pouco preocupado com o Ser Humano pudesse existir, pois, então por que se chamaria deus? Aqueles que crêem num Deus da sua Fé, seja qual for, mas no caso dos cristãos acreditam que o seu Deus é Amor, amor por todos, pelo menos em conformidade com o segundo Testamento, não refúgio para alguns ou desculpa conveniente e disponível para muitos mais. Continua.

Pardilhó
José Luís Moreira dos Santos










































A POBREZA, CONCLUSÃO

A pobreza na dimensão daqueles que nascem pobres e que a sociedade enjeita logo à nascença, nada fazendo para os tirar dessa condição, que é nas suas incidências muito mais que a falta de coisas materiais, mas também é, diga-se, com todo um rol de problemas sociais graves associados, foi a minha primeira preocupação no conjunto dos artigos que dediquei ao tema da pobreza; a situação daqueles que trabalham, cumprem horários e instruções dos seus superiores hierárquicos ou dos seus patrões e não ganham o suficiente para viverem com as suas famílias condignamente, também já aqui aflorei, mas estas duas formas de pobreza vão desembocar numa outra, a dos reformados e inválidos para o trabalho. São quase um milhão em Portugal, e são pobres por herança directa do egoísmo de classe, a classe daqueles que ocupam os lugares de decisão política, muitas vezes uma mistura de classes, a que vulgarmente se chama elite do poder, numa alusão interesseira à teoria das elites, de Vilfredo Pareto.
É que no caso das reformas e pensões como no caso dos baixos valores dos salários, são decisões políticas aquelas que determinam uns e outros, e por detrás dessas decisões estão preconceitos, visões do mundo, egoísmos, patranhas várias que escondem a ideia geral principal que serve de suporte ideológico a estas manifestações de exclusão: as pessoas não são todas iguais e, por isso, não têm que ser olhadas como se o fossem, pois os pobres habituam-se à pobreza e os que podem, seja sob que forma for, não a aceitam, mas acham que não é nada com eles. O que quero dizer com este palavreado? Que no decurso da vida activa de cada um, do mais modesto empregado à mais alta sumidade dirigente, está associada, objectivamente, uma certa produção de riqueza, sejam tijolos, recolha de lixo ou o mais importante contrato, negócio. Essa riqueza, seja a que for, é riqueza do País, que depois será distribuída de acordo com os tais critérios inteligentes que todos conhecemos e que têm uma hierarquia pré-determinada. Porém, como normalmente são produtos de consumo geral, os consumidores pagam os respectivos impostos por os consumir, mais os impostos pelo transporte desses produtos, mais impostos associados aos materiais, matérias-primas, factores de produção em geral, etc, mais os impostos relativos ao rendimento do trabalho, dos impostos sobre os lucros, enfim uma catrefada deles. É o País a girar!
Ora se é preciso investimento para os meios de produção, que normalmente é totalmente remunerado durante a vida activa desses meios, pelo que paga e repaga o capital, a remuneração do trabalho que foi necessário para produzir uma certa riqueza é paga sob a forma de salário em uma certa parte, pelo que cabe ao Estado gerir tanto o dinheiro dos descontos dos trabalhadores durante a vida activa , enquanto criam riqueza para o País, repito, sob a forma de fundos de pensões, pagas pelos próprios e pelas entidades patronais, cerca de 35% do valor do salário mensal, como alguma parte da riqueza produzida que entrou nos seus cofres sob a forma de impostos diversos, como referi, para um fundo auxiliar de manutenção das pensões daqueles que por idade ou por doença deixam a vida activa. Com isto quero dizer que quando alguém passa à situação de reformado apenas vai receber uma parte da totalidade do que juntamente com a sua entidade patronal descontou. Então, não se devia ser pobre pelo facto simples e esperado de se atingir a idade da reforma. Por isso, quando ouço alguém tratar das pensões e dos pensionistas e inválidos para o trabalho como um peso morto da sociedade, quando estes só estão a receber ao fim de muitos anos aquilo que colocaram sob a guarda do Estado durante esse tempo, fico em pulgas.
Há dias li um artigo de um patarata que dizia que a geração de reformados actual tem aquilo que a geração dele não terá quando chegar à situação de reformados. E será verdade? Então é porque a geração do papalvo não se acha em condições de defender os seus direitos. Porquê? Porque não conheço nenhuma geração que recebesse sem primeiro pagar, portanto, cada elemento de qualquer geração recebe em função do que confiou nas mãos do Estado. Cada geração paga para si mesmo, não para outras, só se o Estado gastou o dinheiro de gerações anteriores em coisas que não podia, mas isso representa um abuso de confiança, não uma maldade de uma geração em concreto.
Mas o desinteresse pelo assunto é tal no nosso país que mesmo durante a vida activa, e sabendo os governos que há gente que trabalha e ganha uma certa quantia e desconta de uma quantia mais baixa, comprometendo deste modo o valor da sua reforma futura, nada faz para colocar as coisas no seu devido lugar, pois na hora da reforma o Estado procede como muito boa gente fala dos salários: tal trabalhito, tal dinheirito, “lava as mãos” e tudo corre sobre as rodas da indiferença. Este tipo de demissionismo não tem o correctivo devido nos momentos apropriados, pois os reformados e inválidos de tão socialmente frágeis que ficam e estão, são campo fértil para a demagogia eleiçoeira que de tempos a tempos nos vendem como o exemplo máximo, e às vezes único, de vida em paz democrática. E se é certo que a maior das conquistas do 25 de Abril foi a implantação da Democracia, que nos coloca não mãos os fundamentos da legitimidade dos que governam em nosso nome, esta exige que se olhem para todos os portugueses como tal, como Cidadãos, como se o País fosse uma cobertura onde se abrigam todos em situação de calor ou de aguaceiros. Mas….
Todavia, outra forma de pobreza vem ganhando firmemente o seu lugar na sociedade actual, com uma dimensão e efeitos sociais perversos a todos os títulos, pois já não é a ideia de abandono ou exclusão que está associado a esta forma de pobreza, como será no primeiro exemplo; nem a noção de exploração, como no segundo; nem a de injustiça como no caso dos reformados e inválidos, mas a afirmação, quer dizer, não é passível de outras interpretações, de que se trata de um ROUBO passiva e geralmente aceite: o desemprego. É que pela falta de um emprego, o cidadão sujeito a este drama, sofre um múltiplo trauma, pois não tem sequer direito a saber se vale ou não vale profissionalmente; não pode ter de si e por si a auto-estima que merece; não tem direito a pensar no dia de amanhã e em tudo o que está associado a esse direito humano; é visto por muitos como um peso social e não como uma vítima da sociedade em que nasceu; sente-se, nem que muitas vezes isso não corresponda à realidade, como alguém que não é ninguém, como um fardo para família; como alguém que não tem direito à opinião nem à cidadania, porque crê que tudo o que possa ou lhe apeteça dizer será sempre visto à luz da sua situação concreta e fruto da revolta interior que o assola; é, enfim, alguém que não tem direito a existir, de ser ele mesmo, que é o mais elementar Direito Humano, pois o direito à Liberdade, ao Respeito, à sua Ética, à Cidadania, às suas escolhas pessoais, a uma filiação qualquer, todos esses direitos, enfim, submergem do direito a existir como pessoa.
Vivemos no tempo das desculpas, quero dizer: no tempo em que melhor vive consigo mesmo aquele que sabe arranjar sempre uma desculpa apropriada a cada situação concreta, e parece que quanto mais auditores tiver essa desculpa mais eficaz se torna, mais descanso deixa aos resquícios de consciência que possa haver na mente do desculpante, porque todos sabemos, no quadro das nossas perspectivas e expectativas, que as sociedades somos nós, e se a nossa sociedade é injusta e exclusiva, é porque nós somos exactamente isso, injustos e exclusivistas nas nossa crenças, nas nossas atitudes, nos nossos valores, no nosso egoísmo. E o que fica dito, mesmo que muitas vezes não o aceitemos, tem origem em duas ou três coisas a que damos pouca importância: a indiferença crónica, a uma falsa superioridade moral e social que tem origem no preconceito, e ao facto de nunca nos colocarmos no lugar daqueles que desprezamos, censuramos ou criticamos, sob o efeito dessa nossa aparente superioridade. E isto revela uma realidade indesmentível: nem mesmo a brincar, ou numa situação de faz- de- conta, somos capazes de nos vermos na situação dos que estão em má condição; mas achamos que temos todas as soluções possíveis para esses problemas, de A a Z, quem não tem?
O trabalho é sempre visto pelo valor económico que tem e poucas ou nenhumas vezes pelo seu valor social, por isso, quando abordo o problema em pobreza gosto de o fazer sempre na perspectiva dos Direitos Humanos, e o direito ao trabalho e a uma remuneração social e economicamente aceitável faz parte dessa minha visão da pobreza, nas suas diferentes causas e consequências. Porque este assunto é um assunto dos Homens/Mulheres deste mundo, e neste mundo vivem Homens/Mulheres que têm Direitos consagrados nas profundezas da Revolução Francesa; portanto, há demasiado tempo para não serem um facto do dia-a-dia das Nações, em especial da nossa Nação, que é mais do que um pequeno País. E se digo que a nação é mais importante que o País é porque isso significa que o País, o seu território, está mal repartido, enquanto o Património da Nação, que é muito mais que uns terrenos, é partilhado por todos, é pertença de todos, é a nossa casa comum.
Mas a luta contra a pobreza por parte da sociedade é, se mal comparado, como a luta dos pais por aqueles filhos com tendência para comportamentos desviantes: uma luta constante, com perdas e ganhos, com vitórias e derrotas, com sustos, revoltas, vontade de deixar as coisas correrem o seu rumo, porém, nunca desistir. Porque a pobreza só serve para fazer mais pobres todos aqueles que não gostariam de o ser, mesmo que também sirva para que alguns se achem melhores que os realmente pobres, mas os que assim pensam têm uma pobreza desfocada, são miseráveis de espírito.

Pardilhó
José Luís Moreira dos Santos

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